É provável que no futuro próximo comecemos a ouvir com mais frequência acerca da colonização do espaço. Seja para interesses comerciais ou para garantir a sobrevivência da nossa espécie, a sua implementação será uma experiência científica de escopo inimaginável e, como qualquer boa experiência, deve começar com um bom planeamento. Imitar o ambiente terrestre que permite o desenvolvimento e a prosperidade da vida é um dos pontos mais críticos desta missão.
Este será o primeiro de uma série de artigos que tentarão abordar o papel que os seres vivos tiveram na habitabilidade do nosso planeta, e como a compreensão pode e deve nos ajudar na tarefa de dominar (e talvez terraformar) outros mundos além da Terra. Este artigo vai-se focar num dos casos mais espectaculares e críticos e que foi protagonizado por umas microscópicas bactérias na infância do nosso planeta.
Para começar, vamos imaginar o que a Terra era há dois mil milhões e meio de anos (chamamos a esta época o Arcaico). O Sol, a nossa estrela, ainda é jovem e brilha com muito menos intensidade do que agora. Portanto, o calor emitido pela nossa estrela é menor, e nas condições atmosféricas actuais, teríamos um oceano de gelo. No entanto, sabemos que não era assim. Um super-continente (chamado Vaalbara) estava cercado por um imenso oceano de água líquida. De facto, durante grande parte da história da Terra, ela desfrutou de uma temperatura relativamente agradável se a compararmos, por exemplo, com a de nosso vizinho Marte (com uma temperatura media de -55 ºC). Essa temperatura só poderia ser mantida graças a uma maior abundância de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre arcaica, tais como o dióxido de carbono ou o metano. Comparada com nossa atmosfera actual (ar), dominada por azoto (78%) e oxigénio (quase 21%), a atmosfera arcaica não teria oxigénio e teria no seu lugar dióxido de carbono abundante e também metano (os dois gases de efeito estufa).

Portanto, para sobreviver no arcaico, precisaríamos de um fato de mergulho devido à ausência de oxigénio. De facto, os únicos – e muito raros- organismos que viviam naquela Terra arcaica eram microorganismos anaeróbicos, isto é, incapazes de sobreviver em atmosferas com oxigénio.
No entanto, há cerca de 2,5 Ga (giga-anos) atrás, um grupo de organismos microscópicos chamados cianobactérias mudou tudo. Estas cianobactérias continuam a ser os organismos fotossintéticos mais abundantes em muitos habitats, especialmente os polares. Além disso, foram os maiores engenheiros climáticos e foram responsáveispelo surgimento de todos os organismos complexos que hoje há na Terra, embora estivessem muito próximos de acabar com a vida nela: chamamos a essa crise a Grande Oxigenação.

Milhares de milhões de anos antes de as plantas aparecerem, as cianobactérias foram as primeiras formas de vida capazes de executar a fotossíntese oxigenada, isto é, capazes de criar matéria orgânica a partir da luz, do dióxido de carbono e da água. Como subproduto dessa fotossíntese, o oxigénio é libertado. O problema do oxigénio é que é uma molécula extremamente reactiva, capaz de reagir e oxidar praticamente qualquer tipo de substância. De facto, imediatamente após o aparecimento das cianobactérias, grandes quantidades de ferro mineral na superfície começaram a oxidar. Acredita-se que o metano atmosférico também reagiu com o oxigénio recém-produzido, transformando-o em dióxido de carbono, um gás com capacidade muito menor de produzir o efeito estufa que mantém a Terra quente. Como resultado, grande parte da água terrestre congelou e a Terra foi transformada numa “Terra-bola-de-neve”. Congelar um planeta, nada mal para uma bactéria, não é? O aumento do oxigénio atmosférico, tóxico para todos os outros seres vivos do arcaico, juntamente com a súbita glaciação causou uma extinção em massa que colocou a vida terrestre contra a parede.

No entanto, eventualmente, a vida adaptou-se. Primeiro, a temperatura foi provavelmente restaurada devido a grandes erupções vulcânicas que reintroduziram metano na atmosfera. Para além disso, parte do oxigénio atmosférico foi reagindo com os raios solares, formando a camada de ozono, que protege os organismos das radiações ultravioletas. Em segundo lugar, o tremendo stress causado pela Grande Oxigenação desencadeou processos evolutivos que culminaram com o surgimento de seres vivos capazes de usar oxigénio para obter energia através da oxidação de moléculas orgânicas (neste grupo entramos nós animais, claro). Esse tipo de metabolismo é muito mais eficiente quando se trata de obter energia, o que foi uma vantagem para esses organismos terem sucesso no novo “planeta oxigenado”. Esta é a expressão mais literal de “O que não pode matar-me, torna-me mais forte”. Entre as consequências biológicas a longo prazo da Grande Oxigenação estão o aparecimento de formas de vida mais complexas, incluindo as plantas, que também são organismos fotossintéticos (e com uma relação muito próxima com as cianobactérias, como explicarei num próximo artigo) e os ancestrais dos animais, incluindo nós próprios. E não foram só os seres vivos que se diversificaram. A grande variedade de minerais que temos na Terra se deve em parte à grande oxigenação causada pelas cianobactérias (para saber mais: How Life Shaped Earth, Current Biology, 2015).

Concluindo: o devir do Antropoceno e a corrida contra a nossa própria extinção irá inevitavelmente a transformar-nos em engenheiros climáticos especializados. A opinião de muitos cientistas é que o futuro da humanidade está fora do nosso planeta. Devemos perceber que, a Terra arcaica que imaginamos algumas linhas atrás (sem oxigénio atmosférico e quase estéril) tem mais em comum com Marte, Vénus ou a Lua do que com a Terra moderna. É claro que a colonização de novos mundos exigirá grandes transformações climáticas como as causadas por cianobactérias. No entanto, a história do nosso planeta ensina-nos que essas transformações podem ter consequências letais. A nossa capacidade de previsão desses danos colaterais e de planificação de estratégias capazes de neutralizá-los é crucial para o sucesso do nosso futuro, seja no nosso planeta ou em outros mundos.
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